quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

«Eu não vou morrer aqui», o testemunho pessoal de Ana Estrada

http://www.tvi24.iol.pt/internacional/ana-estrada-haiti-sismo-tvi24-portuguesa/1131584-4073.html

Psicóloga portuguesa que sobreviveu ao sismo no Haiti descreve os momentos pelos quais passou nos últimos dias. Texto enviado por e-mail para o tvi24.pt
«Depois de sentir os primeiros tremores, percebi imediatamente que não tinha outra saída senão colocar-me debaixo da minha secretária. Ficámos sem electricidade e uma nuvem de pó instalava-se. Quando o solo deixou de serpentear o pânico estava instalado na maioria das pessoas, tentei manter a calma e chamar pelos meus colegas que estavam no escritório comigo, ao mesmo tempo ouvia pessoas a gritar, outras que batiam desesperadamente nas paredes e portas. Eu não tinha ideia de como sair dali.

Debaixo dos escombros, vi a luz de uma lanterna que um colega tinha. Tentei manter a calma e disse-lhe «estás com um penteado espectacular». Saíram todos primeiro que eu, por um buraco que o tremor criara. A minha posição era mais complicada.

Assim que tentava perceber como podia sair dali, mais uma réplica que me obrigava a colocar novamente a cabeça debaixo da mesa. Finalmente, e depois de pensar «eu não vou morrer aqui», comecei a tirar tudo o que me impedia a passagem em direcção à luz. Aquela luz ao fundo do túnel. Ouvia os meus colegas lá fora a chamarem-me. Sem chinelos, mas também muito bem penteadinha, com escoriações e equimoses espalhadas pelo corpo. Banhada de pó, que já dificultava a respiração, saí. Estou viva!

A partir dai, fui procurar malas de primeiros socorros e comecei a ajudar os feridos. Um cenário catastrófico: amputados, fracturas expostas, cérebros à vista. Tudo entre os gritos e com réplicas do tremor. Parecia estar num filme. As pessoas tornavam-se violentas. Queriam ser ajudadas umas primeiro do que as outras. Fiz o que pude até à exaustão. Aí, parei e apercebi-me da realidade.

Ambos os edifícios das Nações Unidas tinham caído, desapareceram. Percebi que tinha perdido ali imensos amigos. Consegui falar com uma amiga que partilha casa comigo. Estava debaixo dos escombros. Só pensava na morte. Tentei ficar junto dela durante as nove horas que esteve ali debaixo. Saiu com esmagamento, em choque. Mas está viva!

«Procurei fazer o meu luto»

Pela madrugada dentro, fomos todos evacuados para a base logística, onde tudo estava mais tranquilo. Todas as pessoas procuravam informações e confirmar a sobrevivência dos mais queridos. Até ao dia de hoje não sei de alguns. As buscas continuam, mas, como é óbvio, as hipóteses de sobrevivência são reduzidas. As réplicas continuam e temos sempre a sensação que o chão está a tremer.

A Mariana Palavra e o João (polícia canadiano), ambos de origem portuguesa, estão bem! À noite, dormimos como podemos. Dentro de carros, no jardim ou nos escritórios. Os tremores não nos conseguem embalar. Mantemo-nos por aqui, onde as condições mínimas estão asseguradas. Não vamos ser evacuados, quem quiser e tiver passaporte/visa pode ir para Miami. Quem não tem pode sair para a Rep. Dominicana. Eu fico cá, sem dúvida!

Já consegui ir a casa e recuperar o básico, tanto para mim como para a minha amiga! Estava intacta mas muito, muito desarrumada. Nas ruas, encontramos o caos, a confusão. Quem pode, está a dirigir-se para a Rep. Diminicana, pois a maioria da população não tem acesso a água potável e alimentos. Prevê-se um aumento da criminalidade caso a ajuda humanitária seja escassa. O instinto de sobrevivência é conducente a violência. No entanto, o céu de PAP [ndr: Port-au-Prince] vê já muitos aviões e hélis.

Foi montado um hospital, onde estive a colaborar. No entanto, reuni já com o conselheiro do staff e com todos os que estão formados para a intervenção na emergência psicológica. Neste momento, estamos organizados e a intervir. Tendo eu também sido vítima desta situação, procurei fazer o meu luto e restabelecer o equilíbrio emocional, com sucesso. Agora sim, mudo os objectivos de trabalho que me trouxeram até aqui, mas garantidamente que não deixarei de trabalhar!»

São estes testemunhos que nos fazem ver que perante qualquer adversidade a vida tem de continuar.

7 comentários:

  1. NEM CONSIGO IMAGINAR O HORROR QUE FOI E CONTINARÁ A SER ISSO POR AI. AINDA BEM QUE OS NOSSOS PORTUGUESES ESTÃO BEM. E QUANTO A TI ANA ESTRADA SÓ POSSO DIZER " GANDA MALUCA" COMO SEMPRE. BJS
    ASS. MOINHOS CARVIDE

    ResponderEliminar
  2. ana ainda bem que estas bem e como disse o anonimo es uma granda maluca depois do que passaste ai ainda pensas em ficas eu como portugues fico feliz por estasres bem e viva beijos e boa sorte e os meus pensamos da parte de portugal para os falecidos ai

    ResponderEliminar
  3. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderEliminar
  4. Fogo o que a minha prima passou ! só soube isso a pouco , e é um alivio saber que estas san e salva . o que não foi o caso para toda a gente ! Mas é a vida e isso ninguém escapa ! estamos todos contigo no nosso coração , fico feliz de saber que estas ( bem )e ao ver o teu testamento vejo muita força e coragem ! continua assim então ( positiva) ! é um bonito gesto que fazes ai ao ajudar as pessoas ! beijocas !
    e um grande pensamento para os familiares e pessoas que faleceram ! sniifff RIP all
    Paulo Estrada

    ResponderEliminar
  5. Têm imensa coragem em ficar por ai a ajudar...Gostava imenso de poder ir para dar apoios!mas nao tenho estofo para isso!por isso dou lhe todo o apoio mural...e ja fiz donativos que espero que ajudem!!
    muita força e coragem...
    silencio para aqueles que se perderam!

    beijocas e muita paz

    ResponderEliminar
  6. Quero aqui deichar uma palavra de apoio á Dr.Ana Estrada.Se Deus a protegeu e se a sua coragem não enfraqueceu siga com fé a sua missão porque é neste momento dificil que a sua presença será mais preciza.Que DEUS a guarde nessa dura e dificil missão de DOR SOFRIMENTO e luta pela vida daqueles que sofrem.Um beijo de reconhecimento e muita coragem para esses momentos dificeis.

    ResponderEliminar
  7. Vi o video onde liam a carta no tvi 24. É dificil não tremer de tristeza e indignação face a uma tragédia destas. Nunca desde que me conheço por gente tomei conhecimento de uma calamidade desta magnitude. Centenas de milhares de vidas ceifadas desta forma... É uma sensação indescritível a que me invadiu durante o video. Votos de felicidades e boa sorte para a Ana que pelos vistos permanecerá no Haiti. Coragem.

    P.S. - Alguem sabe o nome da musica que passa em fundo no vídeo? Grato.

    J.

    ResponderEliminar